amores expresos, blog da CECÍLIA

quarta-feira, 30 de maio de 2007

Primeira impressão

Acabei de imprimir o livro. Não, não está pronto. Ainda algumas semanas de trabalho. Mas está, por assim dizer, completo. Agora, vou reler e retrabalhar e reescrever tudo, página por página, linha por linha. Mas a divisão das partes e dos capítulos e a ordem dos mesmos é a que tenho agora diante dos meus olhos. Esse modo de trabalhar é inédito pra mim, e preciso confessar que, quando comecei, não sabia se ia funcionar.

Normalmente, eu bolo toda a estrutura primeiro e só depois começo a escrever. À medida que escrevo (primeiro à mão, depois no PC), reviso e reescrevo. Só ao final é que imprimo e reviso a coisa toda. Antes, vou trabalhando parte por parte. Assim, em condições normais, há relativamente pouca coisa pra revisar quando imprimo o volume todo, posto que o texto já chega arredondado a essa etapa do trabalho. O problema desse processo é que, bem, ele demora muito. Se eu fosse escrever meu romance pra coleção Amores Expressos dessa forma, que é a maneira como geralmente trabalho, não conseguiria terminá-lo em menos de sete, oito meses, isso se encarasse as jornadas suicidas de trabalho que venho encarando. Como, em condições normais, eu trabalho no máximo seis horas por dia e apenas cinco dias por semana, bem, os senhores Rodrigo Teixeira, João Paulo Cuenca e a galera da Companhia das Letras só teriam o desprazer de ler os meus originais lá pro final do ano que vem. Felizmente pra nós todos, eu tenho me matado de trabalhar e consegui adaptar com sucesso o meu processo criativo às condições acertadas (ninguém me impôs nada, viu?).

Agora, o livro. Eu preciso dizer que ele está bem maluco. Que eu estou brincando com um monte de coisas diferentes. Que é, ainda mais do o que meu romance de estréia, e para usar as palavras de Ronize Aline, responsável pela melhor leitura daquele meu romance a ser publicada pela grande imprensa, um romance de formas híbridas. Nesse sentido, ele é um desdobramento natural das minhas preocupações estéticas (é, eu tenho preocupações estéticas. Bacana, né?). E eu vou repetir isso aqui até a galera que for ler os originais e decidir ou não se publicam o romance ouvir: nele, nada é gratuito, nada é por acaso. Eu disse: NADA. Fatalmente, como qualquer outro livro, vai ter detratores e (meia dúzia de) admiradores (minha família é pequena). Mas todos, detratores e admiradores, JAMAIS poderão dizer que leram nele algo que parecia simplesmente vomitado ali. Pessoas, eu não sou desse tipo. Sorry, há quem aprecie vômitos, mas eu não. Valha-me João Cabral.

Sim, o livro está ficando rigorosamente tresloucado. Impresso, aqui diante de mim. Sobre ele, minha caneta preta. Um desses marcadores permanentes, sabe? Cor preta. Já extirpei, decepei e arranquei mais coisas com ele do que Jason com um machado ou a Noiva com sua espada. A melhor parte do meu caráter: não tenho dó nem piedade de trechos que considero falhos, obtusos ou apenas ridículos. Meu nome é trabalho. Não, eu disse "trabalho".

domingo, 27 de maio de 2007

Insosso, né?

Esse negócio aqui tá meio sem graça. Talvez porque eu não esteja nem mais em São Paulo, mas na minha cabeça, que, venhamos e convenhamos, é um lugar meio chato, insosso, pessimamente freqüentado, desarrumado, sem aquecedor, sem TV a cabo, meio besta. Daí que os posts, que já não eram lá grande coisa, começaram e ficar assim-assim, eu e meulivro, meulivro e eu. Tudo bem que blogar quase sempre é um exercício eminentemente (ui) masturbatório, mas tenho notado as páginas deste espaço coladas em demasia (risos isolados). É, uma nojeira só. E o pior é que nem posso contar coisas e loisas do meu cotidiano, tipo fui ao banco e me estupraram na ida e depois me estupraram na volta e o banco foi assaltado por uma quadrilha de gêmeos siameses albinos, porque, caramba, nem tenho saído de casa, exceto à uma da manhã de domingo porque a minha esposa queria comer churros e eu saí lá fora num frio de cinco graus e, impossivelmente, o cara estava lá com a banquinha de churros dele, é, aberta, inacreditável, e a minha vontade nem foi mais de comprar os churros, mas de dar um esporro no sujeito, isso lá é hora?, uma da manhã e esse negócio ainda funcionando?, nesse frio?, tenha vergonha!, onde já se viu?, porque eu, é claro, tinha dito pra minha esposa que era IMPOSSÍVEL que a banca de churros estivesse aberta àquela hora e naquele frio, e como bom marido (risos isolados) fui lá, àquela hora e naquele frio, só pra provar pra ela que a tal banca estaria fechada, mas, porra, a banca lá, abertona, e, certo de encontrá-la fechada, tinha até esquecido a maldita carteira, daí que fiz duas viagens, claro, por que não?

Enfim, não acontece nada e eu peço desculpas porque não acontece nada. Daí que eu prometo só voltar a postar alguma coisa aqui quando, pôxa, acontecer alguma coisa.

sexta-feira, 25 de maio de 2007

Live from BAGDÁ

Livro desenvolvido. Aparar as arestas. Revisar e reescrever, reescrever, reescrever, reescrever, reescrever, reescrever, reescrever, reescrever, reescrever, reescrever, reescrever, reescrever, reescrever, reescrever e reescrever.

Ficando fodidamente bom, o livro. Muito feliz com ele. Eu é que quase pifando. Insônia. Dores nas costas. Náuseas. Ontem vi "O veredicto", do Sidney Lumet, na Globo. Grande Paul Newman. Hoje resolvi sair. Trancado em casa desde a entrada dos aliados na Normandia. Ao correio postar os originais do meu livro de poemas, finalmente pronto após oito anos de trabalho. Uma pequena editora se dignou a recebê-los. Porque as maiorais dizem: Poesia? Enfia, filho. Enfia.

Ficando fodidamente bom, o livro. Feliz com ele. Queria que saísse logo. Queria que saísse. Compartilhar com meus dois ou três leitores esse deslumbramento que estou tendo. Não é o caso de, com o perdão da expressão baixíssima, eu estar assim sentando no meu próprio pau. Em outras palavras, não quero soar arrogante ou metido a besta. Por favor, não é isso. É só uma alegria tremenda com um trabalho bem feito, com uma coisa na qual estou me colocando inteiro. Estou aqui de costas pro Atlântico, flutuando no vazio, caindo impossivelmente rápido, e essa coisa toda me adoece, me quebra ao meio, mas ao mesmo tempo me dá uma força tremenda, me transforma, me faz querer descer ainda mais rápido, com mais força, com toda a força, amém.

segunda-feira, 21 de maio de 2007

Epígrafes, dedicatórias, responsabilidades

Manias, eu sei. Mas sempre começo um livro, bem, do começo mesmo. Compro um caderno, abro na primeira página e escrevo ali o título (mesmo que provisório), o meu nome e, lá embaixo, a data e o local em que comecei. Na segunda folha, a dedicatória. Na terceira, a epígrafe. Da quarta em diante, bem, começam os problemas. Ou, melhor dizendo, as soluções. Quem me conhece e acompanha o meu trabalho sempre achou essas manias no mínimo engraçadas. Ter um título, uma epígrafe (ou duas, no caso do meu romance para o Amores Expressos) e uma dedicatória, mas não um livro. Acho tudo normal. Quando se trata de escrever, acho tudo muito, muito normal.

Inclusive jornadas diárias de trabalho de dezoito horas seguidas. Não, mentira. Seguidas, não. Paro aqui e ali pra ir ao banheiro, pra comer alguma coisa, pra fazer um alongamentozinho, pra trocar uma idéia com a esposa. Bem, eu tenho um prazo a cumprir, um livro escritinho na cabeça precisando ir para o papel e uma enorme disposição que, muito provavelmente, não terei daqui a alguns anos. Logo, eu me permito ser um workaholic agora. Mais: eu estou adorando ser um workaholic agora. Não se trata de escrever o livro rápida ou lentamente. O livro já ganhou o ritmo dele e está saindo de acordo. Então, por mais que eu esteja trancado neste apartamento há sete dias, "preso" a uma rotina espartana de trabalho, bem, "apesar" disso e daquilo, eu estou realmente gostando da coisa toda em função de uma certeza: a de que estou, sim, trabalhando no troço mais foda que já escrevi, o que talvez não signifique muita coisa para muitos aí, mas, pôxa, pra mim significa muito, mas muito mesmo.

E acreditem (os que me conhecem que confirmem, por favor): se estivesse ficando uma merda, eu diria. Mas não está. Não mesmo.

Hoje, mais cedo, o cansaço bateu e eu comecei a me arrastar um pouco. Mas eu não queria parar. Precisava, portanto, de uma injeção de ânimo. Fui à estante e peguei minha edição de "O som e a fúria", de William Faulkner (Cosac&Naify, trad. de Paulo Henriques Britto). Abri numa página qualquer (166) e dei de cara com o seguinte trecho:

"Nossas janelas estavam escuras. A entrada estava vazia. Entrei caminhando junto à parede da esquerda, mas não havia ninguém: só a escada subindo em curva na sombra ecos de passos de gerações tristes como poeira leve sobre as sombras, meus passos a despertá-las como pó, que depois descia, leve, outra vez."

O homem pega as regras e as quebra ao meio, ou as subverte, transforma em outra coisa: "...só a escada subindo em curva na sombra ecos de passos de gerações tristes como poeira leve sobre as sombras...". Eram quinze horas quando li esse trecho. Depois que o li, sentei-me ao computador e escrevi sem parar até agora, dezoito e alguma coisa. Afinal, por menores que sejam, tenho lá as minhas responsabilidades.

sábado, 19 de maio de 2007

Processos

Sim, a estrutura todinha, mas todinha mesmo, está pronta. A coisa funciona assim: penso num arco narrativo completo. Depois que entendo como pronto, ou muito bem delineado, esse arco narrativo, começo a escrever. Porque até aí eu já terei gasto meio caderno universitário com anotações sobre o que quero escrever e como. Uma vez que começo a escrever, meus rascunhos seguintes servem para esclarecer o entorno do arco narrativo principal, que logo talvez nem seja mais o principal, mas apenas o elemento detonador do processo todo. Para mim, só é doloroso o começo, quando as coisas ainda não estão claras e eu preciso tatear no escuro, procurando a estrutura, a forma e o tom adequados à história que quero contar. Não admito gratuidades. Não admito acasos. Não jogo conversa fora, em suma. Odeio amadorismos, acho nojento aquele ideal boboca de "inspiração", em que o escritor se diz "tomado" por alguma coisa que ele não entende direito o que é, algo "maior" do que ele etc. e tal. Tá com febre? Procura um médico. É "febre criativa"? Tenta um psicanalista. Ou um padre.

Falei, no último post, em três partes. Era o que estava na minha cabeça, mas percebi hoje que seria redundante uma terceira parte. Não no sentido de que a quarta parte de "O som e a fúria", como querem alguns, é redundante. Faulkner, sendo quem era, podia se dar ao luxo de ser "redundante" o quanto quisesse. Eu, felizmente, ainda tenho não muito, mas tudo pra provar. Sendo assim, resolvi arriscar. O romance, então, terá duas partes. A primeira, praticamente pronta, em terceira pessoa. Uma espécie de introdução aos seis personagens principais. A segunda parte, já estruturada mas ainda não iniciada, terá seis capítulos, um para cada protagonista. Primeiras pessoas. Mas não só isso. Serão seis vozes, com seis estilos completamente diferentes. Mas completamente diferentes mesmo. Mais não posso nem vou dizer.

Interessante como o arco narrativo original, envolvendo duas lésbicas, acabou distendido, por assim dizer. O entorno ganhou forma, ganhou vida, e não se pode dizer que elas, minhas amigas (sem ranço pejorativo, por favor) dykes, sejam as únicas protagonistas da história. O nível de fragmentação buscado e atingido prescinde disso, e o que era um enredo pontuado por vários subenredos acabou se tornando uma sucessão de enredos de igual importância. Esse tipo de construção, para mim, é "geométrico", por assim dizer. Quero dizer, eu fecho os olhos e vejo diversas figuras, de formas distintas, sendo desenhadas num quadro-negro. Cada figura, obviamente, tem as suas particularidades, e o meu trabalho é, primeiro, descrevê-las da melhor forma possível, e, depois, distorcê-las, apagando lados inteiros e as transformando em outras figuras, mas sem descaracterizá-las totalmente. Parece complicado demais? Godard já dizia: "Mais o organismo é complexo, mais ele é livre".

Eu não poderia deixar de arriscar. Eu preciso. É aquilo tão bem explicitado na frase de Manoel de Barros: "Ninguém foge do erro que é". Tenho limitações de tempo, tema e ambientação, mas nada disso é problema. A sensação de extrema liberdade que sinto neste momento é muito difícil de ser verbalizada, mas é o que sinto quando estou escrevendo, cada frase trazendo em si o germe não apenas da seguinte, mas de todas as outras, anteriores e posteriores, tudo conectado, interligado, um organismo completo, inteiro, feito os elementos de uma equação. Sim, é matemático, mas não apenas matemático, posto que minhas vísceras, embora autoconscientes, não são mensuráveis.

***

AVISO AOS LEITORES: Para tornar as coisas mais fáceis para os (quatro ou cinco) que (ainda) me lêem, informo que este espaço será atualizado a cada dois dias. A próxima atualização, portanto, será feita no dia 21/05, segunda-feira. Obrigado a todos.

quinta-feira, 17 de maio de 2007

Escrevendo

The poet acts é a primeira faixa da trilha-sonora de As Horas/The Hours. Philip Glass é o compositor. Sempre que estou escrevendo e travo, faço uma das seguintes coisas e o texto volta a fluir: a) leio um parágrafo, qualquer parágrafo, de um livro, qualquer livro, de Thomas Pynchon, ou b) coloco a trilha-sonora de As Horas. Pynchon sempre me lembra que "pode tudo", desde que você saiba exatamente o que está fazendo e por que razão; a música de Glass simplesmente me acalma.

Hoje faz duas semanas que estou escrevendo o meu romance para a coleção Amores Expressos. Antes, tomei notas e passeei bastante por São Paulo. A estrutura já está bastante clara para mim, embora não a tenha, ainda, como definida. Um romance em três partes, com seis personagens. Vozes narrativas cambiantes, tudo se revelando de uns jeitos quebradiços, fragmentados. Percebi São Paulo assim, fragmentada, quebradiça, dividida em tantas partes e essas partes se revelando muitas vezes irreconciliáveis entre si e consigo mesmas. Uma cidade desencontrada, cujas partes freqüentemente não se encaixam. Quero que meu romance reflita isso.

Quando me falaram do prazo para entregar os originais, 90 dias contando com os 30 dias em São Paulo, quase entrei em pânico. Em condições normais de temperatura e pressão, costumo dizer, não escrevo nem mesmo um hai-kai em noventa dias. Mas depois me acalmei. Primeiro, porque estas não são condições normais de temperatura e pressão. Segundo, porque a coisa está fluindo muitíssimo bem e, sem stress algum (mas contando com doze, às vezes catorze horas diárias de trabalho), certamente entregarei os originais bem antes do prazo final. O problema foi encontrar o tom e os diversos arcos narrativos. Depois disso, tudo se resolveu. Tudo ficou, sim, "fácil". Nesses primeiros dias, tendo mais ou menos definido a ossatura da coisa, permiti que o romance se escrevesse, por assim dizer, mas sem "acasos". Logo, creio ter me adaptado às condições, e posso dizer que o livro que sairá disso não será bom ou ruim (dependendo de quem o ler, obviamente) em função dessas condições ou limitações de tempo, tema e cenário. O livro será bom ou ruim independentemente disso. Tudo o que sei é que tenho trabalhado bastante e escrito com muito, muito gosto. No fim das contas, depois de todo o circo que se armou no começo, depois de todas as matérias bem ou pessimamente intencionadas, mais ou menos parciais, depois de toda a balbúrdia, depois de tudo, enfim, o que vai interessar, o que as pessoas vão se perguntar é: E os livros? Bons, ruins? Quais ficaram bacanas, quais não ficaram bacanas? E por quê?

É o que importa, afinal. O resto é a cretinice habitual de uns e outros.

segunda-feira, 14 de maio de 2007

Últimas palavras (?)

Ou não. Espero que não. Mas: deixei São Paulo hoje cedo e acabo de chegar em casa. Para ninguém reclamar que não passei por várias das coisas que um paulistano normalmente passa, ontem enfrentei um congestionamento na Marginal Tietê e hoje, vejam só, um belo atraso em Congonhas. Porque tinha chovido e a pista principal está em reformas e não sei mais o quê. Ainda ontem, as brejas derradeiras com André C. no Charme da Augusta, papeando sobre séries de TV e teoria do romance e histórias de famílias. André, que me havia presenteado com "V", de Thomas Pynchon, foi devidamente contemplado com "Eles eram muitos cavalos", de Luiz Ruffato. Por um instante, tive a impressão de que a gente não queria se despedir. Pena que May, depois de ter sido apelidada por mim como Plucky Duck, não estivesse conosco ontem. Vou sentir saudades.

Mais cedo, ontem, uma derradeira caminhada por aquelas redondezas, Consolação, Augusta, Paulista, Bela Cintra, Haddock. Já estava quase chamando esses lugares de "casa". Engraçado como meu estranhamento inicial vinha sendo sistematicamente domesticado. Nesse sentido, e para o bem do meu romance-em-progresso, penso ter vindo embora no momento certo. Talvez, se tivesse de escrevê-lo em São Paulo, ele soasse meio paulistano, o que, claro, não é a minha intenção. Distanciamento, nesses casos, é muito importante. Continuar sendo um estrangeiro. E me apegar às loucas sensações e impressões que me acometeram em diversas oportunidades por lá.

À noite, fomos à feira dos bolivianos, no Bom Retiro. O Bom Retiro é um bairro paulistano onde (dizem - e eu já escrevi isso aqui) os judeus alugam salas comerciais para os coreanos que contratam bolivianos pagando uma miséria. Domingo é tipassim o Independence Day dos bolivianos, que realizam a tal feira e é mesmo bacanérrimo comer saltenhas e ouvir Carmencita Lara, cantora (acho) peruana (acho) venerada por André Carvalho. Mas chegamos tarde demais e a feira já se dissolvera, o que, entretanto, não nos impediu de comer saltenhas mornas em uma das poucas barracas ainda armadas e, animadíssimos, encarar o tal congestionamento na Marginal Tietê.

Exausto, tão exausto que não consegui dormir, mas feliz, uma sensação de "missão cumprida", de que fiz o que devia ter feito e fui onde devia ter ido pra conseguir escrever um livro bacana pra coleção. Em suma, estou pronto, e o que já escrevi, ainda em São Paulo, me agrada bastante e aos amigos membros da confraria LSOAL (Leitores que Sofrem os Originais de André de Leones), que, quando eu piso na bola e escrevo merda, atiram todo tipo de objeto na minha cabeça, incluindo tijolos, exemplares de "A lei do triunfo" e umas verdades dolorosamente necessárias.

Enfim, agora é escrever pra valer. Fim da viagem, início efetivo de outra. Aos que me leram até aqui, os meus sinceros obrigados. Torçam para que eu consiga escrever um troço decente e, sobretudo, se e quando o tal troço for publicado, comprem e leiam. Tenho, é claro, de agradecer ao Cuenca e ao Rodrigo Teixeira por essa coisa toda. O Rodrigo, inclusive e conforme este artigo da Wikipédia, é um cantor de Polka-Rock brasileiro. Eu não sabia disso, Rodrigo. Mas você também não fala nada...

Valeu por tudo, obrigado a todos. Foi e está sendo maravilhoso. Inté.


[P.S. 19/05] - Quando escrevi este post, não sabia se a orientação dos organizadores do projeto seria para continuar ou parar de atualizar o blog. Posteriormente, pensei que seria bacana continuar, inaugurando uma espécie de "diário de criação", mesmo que só interessasse a mim. Os organizadores do projeto, por sua vez, também sugeriram, logo depois, que eu desse seqüência às postagens, e aqui estou.

domingo, 13 de maio de 2007

Esta empresa não é optante do SIMPLES

Umas revistas sobre a mesinha de centro, um jogo de sofás, o balcão, parece mesmo o hall de um hotel pequeno, aconchegante, de cidade interiorana. O dono pediu: Não quero o meu nome em lugar nenhum, não pode filmar e não pode divulgar o endereço completo. O lugar é um puteiro ou, mais propriamente, um motelzinho. Alunos de cursinhos da região eventualmente matam aulas e vão pra lá. Discrição é tudo. Vasculho as paredes e não enxergo nenhuma moldura com aquele documentozinho que diz "Esta empresa é optante do SIMPLES". As putas ficam pelas ruas e esquinas e algumas, pela conversa do dono, ficam ali dentro. Usam o espaço pra descansar e, claro, pra trabalhar. O dono se recusa a falar da própria vida e eu não insisto. Fica é tentando me convencer a engatar um programa. Diz: Tem ruiva, tem morena, tem loira, tem crioula, tem japa, tem de tudo. Tem até uma anã se você quiser, chefe. Quase peço pra ele chamar a anã, pela cara dele não dá pra sacar se fala sério ou o quê. Quando vou embora sem comer ninguém, a decepção dele é quase palpável. Fui com a tua cara, diz. Se quiser voltar pra fazer uma seleção de pessoal, tô às ordens, chefe. Beleza, respondo. Não vou esquecer. Quando saio e piso na calçada, um grupo de três putas está na esquina. Todas elas me encaram e riem e uma delas (não é uma anã) diz: Já? Rimos todos e eu volto pro hotel leve, levíssimo. Quase feliz.

sábado, 12 de maio de 2007

Aninha&Denise - Escrevendo

[SEXTA-FEIRA, 11/05] - Não, Ratzie não apareceu. Compreensível. Fiquei lá no Ibotirama, sozinho, com essa minha cara de gordinho apanhão (TM). Mentira. Também não fui lá. Como sei que Ratzie não apareceu? Ora, alguém teria notado se ele aparecesse por lá. Eu acho. E me contado. Eu acho. Mas ontem, com Aninha&Denise, a um bar na Fernando de Albuquerque, entre a Consolação e a Bela Cintra, eu tomando breja e elas lerdando no vinho, quando Paulo Autran entrou e se sentou a uma mesa e, calma, não dei uma de tiete, só reconheci o cara e fiquei imbecilmente feliz por saber que freqüento os mesmos ambientes que ele, sabe?, e daqui a uns dias vou começar a falar "Naquele bar em São Paulo que eu e o Paulo freqüentamos..." e as pessoas vão perguntar "Que Paulo?" e eu vou dizer "Como que Paulo? O Paulo Autran, é óbvio!" porque, sim, eu sou suficientemente idiota pra sair com uma cretinice dessas.

Mas a conversa com Aninha&Denise foi mesmo deliciosa, e falamos montes sobre as mais variadas coisas, desde os romances do menino aqui (o publicado e o que comecei a escrever por esses dias pros Amores Expressos) até a literatura de testemunho de Primo Levi e Elie Wiesel e sobre como Rudolf Hoess era um bastardo psicótico e, principalmente (para mim, já que tem a ver com o tema do meu work in progress), sobre mulheres bi ou homossexuais que, a exemplo de Aninha&Denise, vivem juntas, isto é, são casadas. Interessante ver a coisa agora pelo lado delas, no sentido de que são mulheres maduras (mais de quarenta), contrapondo às minhas outras "entrevistadas" ibotirâmicas & augustinas, todas com menos de 25 anos. Mas uma coisa, pelo que tenho visto e ouvido, é verdade (palavras de André): Lésbicas não namoram, não "ficam", lésbicas se casam. Ou, conforme a piada contada por Aninha: "O que uma lésbica leva no dia seguinte ao primeiro encontro? A mudança. O que um gay leva no dia seguinte ao primeiro encontro? Que dia seguinte?...".

O mais engraçado, contudo, foi mesmo a coincidência. Porque eu só conhecia a Aninha virtualmente, algumas trocas de e-mails, apenas, e não sabia que ela era homossexual (bi, para ser exato) e muito menos que ela era casada com outra mulher. E, ora, estou escrevendo exatamente sobre isso. Daí que a conversa não poderia ter sido mais elucidativa, instigante, engraçada, prazerosa e não sei mais o quê. Pirei legal absorvendo todas aquelas informações e depois ainda dei uma sapeada pela vizinhança, colocando nomes e pronomes em seus mais ou menos devidos lugares, pensando onde encaixar o quê, escrevendo, em suma, e, caramba, fodam-se as supostas limitações de tempo (ainda 62 dias) e de espaço geográfico (São Paulo, mas: pra que mais?) e de tema (love is suicide) porque a coisa começou sua inexorável descida ladeira abaixo e eu estou mesmo concentradérrimo, animadíssimo e meio louco, sabe?, piradão.

Vou embora em 48 horas. Essa cidade inapreensível, plural, desorientadora, desgraçadamente humana, ostensivamente artificial e ametafísica (existe isso?) merece o melhor livro que eu conseguir escrever. Pai, em tuas mãozonas parkinsonianas entrego as minhas vísceras.

quinta-feira, 10 de maio de 2007

God is coming. Look busy.

[QUARTA-FEIRA, 09/05] - Tá, eu fui ver o Ratzinger. Não àquela hora da tarde em que ele fez sua "aparição" e disse em sonoro português "São tantas emoções etc. e tal", mas à noite. Tinha visto na TV que equipes de jornalismo dos diversos canais de televisão estavam de prontidão no Largo de São Bento e pensei que as chances de ser assaltado, estripado e sodomizado (nessa ordem, please) seriam menores. Então, desci ao centro pra ver o Ratzinger. Mas claro que eu sabia, desde o momento em que, congelando, saí do hotel, esfreguei as mãos e as meti nos bolsos do casaco, enfim, eu sabia que não veria o Ratzinger porque o Ratzinger já estaria dormindo ou vendo televisão ou se preparando pras gafes presidenciais que fatalmente ocorrerão hoje no Palácio dos Bandeirantes. Mas eu queria, sabe como é, dar uma olhada no ambiente e tal. E se, por um acaso, Ratzinger reaparecesse, ora, eu iria, sei lá, pedir a ele que indicasse uns lugares bacanas pra Cissa visitar em Berlim. O tipo de coisa que eu jamais pediria ao antecessor dele. Karol, todo mundo deve se lembrar, estava ocupadíssimo salvando o mundo do comunismo ou levando chumbo ou perdoando que tinha largado chumbo nele. Karol parecia uma entidade, um personagem etéreo, intangível, mesmo no fim da vida, mesmo depois de ficar muito doente. Não é por acaso que tenha sido e seja ainda tão popular. Até mesmo a dor dele, tão terrivelmente visível, não me parecia palpável. Ratzinger, por sua vez, é um sujeito palpável, ou pelo menos eu tenho essa impressão. E muito culto, sim. Escreve bem pacas. Eu adoraria, de verdade, tomar um café com Ratzinger (pode ser hoje, no Ibotirama, às quatro?). Eu disse isso ao pessoal (três garçons e dois fregueses) num boteco da Bela Cintra, ontem, e quase fui linchado. Mas esse é o ponto: eu posso discordar pontualmente de quase tudo o que Ratzinger acredita e prega, mas, democraticamente, adoraria me sentar com ele no Ibotirama, hoje, às quatro, pra tomar uma cerveja (café para o papa, sim?) e conversar sobre, sei lá, Sebald, futebol, Wittgenstein e curiosidades alemãs. Prefiro mil vezes bater um papo com Ratzinger a me submeter a um desses papos esquerdistas ou direitistas de botequim, sabe? Porque um dia desses um imbecil me viu com um livro do Philip Roth e (depois de ser informado da nacionalidade do autor) desandou a fazer um discurso anti-americanista de dar dó. Que tipo de idiota deixa de ler autores norte-americanos por culpa da desastrosa política externa do atual governo de lá? Eu, hein? Sugiro a essa gente que, se quer mesmo protestar, compre uma coca-cola, despeje o conteúdo num copo e meta muito, mas muito gelo. O protesto anti-americano perfeito: meter gelo em coca-cola. Mas eu falava de Ratzinger.

Que, reitero, eu não vi. Dei uma volta pelas imediações do Mosteiro de São Bento, estava frio demais e acabei voltando pro hotel. Subindo a Augusta, vi uma coisa de louco. Um rapaz negro, um sem-teto, estava deitado na calçada, mal e mal coberto naquele frio que fazia ontem (oito graus ou menos), quando teve a cabeça pisada por um outro rapaz, um rapaz com outros rapazes, um rapaz entre os seus, nenhum deles um sem-teto, evidentemente, e esse rapaz pisou na cabeça do rapaz negro e saiu correndo com a turma rua acima, rindo e gritando, e o rapaz negro se levantou e berrou "Vocês vão se ver é com Deus!", e eu não pude deixar de pensar, quando passei por ele, ele já se deitando e se cobrindo novamente, eu não pude deixar de pensar que, do jeito que vão as coisas, a grande merda é que talvez seja Deus quem tenha de se ver com aqueles caras. O mais impressionante, contudo, nem foi isso. O mais impressionante foi que, no momento em que vi o rapaz negro se levantando, eu achei que ele ia xingar aqueles imbecis, talvez correr atrás deles pra bater um pouco e apanhar um monte, mas não. O rapaz teve a cabeça pisada e se levantou não pra xingar e brigar, mas, caramba, pra falar de Deus. Talvez tenha sido um sinal. Eu, que não sou católico, não sou cristão, não sou nada, não sou ninguém, eu tive, ontem, a oportunidade de ter uma epifania. Oportunidade que perdi. Deixei passar. Porque, cheio de raiva, indignado e frustrado, louco da vida por não poder fazer nada, nem mesmo ajudar o sem-teto a apanhar dos caras, porque o sem-teto não quis brigar, não quis nem mesmo xingar, enfim, eu deixei a epifania evaporar porque só via aquela cabeça sendo pisada e aqueles imbecis correndo rua acima, rindo e gritando, e eu acho que, na minha vida inteira, jamais vou me esquecer do som, da barulheira que aqueles desgraçados faziam enquanto subiam a Augusta depois de, gratuitamente, pisar na cabeça de um outro ser humano, pisar e rir e gritar e rir e correr e rir. Sei não, Ratzie, mas acho que essa merda toda, ah, essa merda toda não tem jeito, não.

Mas, se tiver um tempinho, não esquece: às quatro, no Ibotirama. Vou ficar sentado a uma mesa bem na esquina, tremendo de frio e de raiva, crente de que não acredito mais em porra nenhuma. E aí você vai sorrir e dizer: Fala uma coisa que eu não sei, dumm. E, veja só, pode até ser que eu me sinta um pouco confortado.

[A expressão (ou coisaqueovalha) God is coming. Look busy eu roubei daqui.]

terça-feira, 8 de maio de 2007

Brasil, São Paulo

Num conto da Márcia Denser está escrito que o Brasil é um "país imenso que abrange praticamente todo o perímetro urbano da cidade de São Paulo".

Mas o que eu sei sobre isso?

Semanas atrás, sentado nas escadarias da Sé, um senhor chorava discretamente. Ontem à tarde, encostado no balcão de uma lanchonete no Bom Retiro, um outro senhor entornava um copo de café. Eles não sabem nada de mim e vice-versa, e é bastante provável que nada saibam um do outro.

Mas o que eles sabem sobre isso?

Hoje, às cinco e vinte e três da manhã, aquele primeiro senhor não estava lá na Sé. Eu fui lá checar. Insone e tal. Pensei (ou devo ter pensado, não me lembro): Se ele ainda estiver por lá, vou puxar papo e procurar saber do outro cara, o que eu vi naquela lanchonete no Bom Retiro entornando um copo de café. Sabe como é, tentar encaixar uma ou duas coisas. Porque nada se encaixa nessa cidade.

Mas eu não sei nada sobre isso.

Se nada se encaixa nessa cidade, é porque São Paulo só pode mesmo ser obra de Deus, não?

E o que Deus sabe sobre isso?

No Bom Retiro (me disseram), judeus alugam salas comerciais para coreanos que contratam peruanos e/ou bolivianos pagando uma miséria.

Os peruanos e/ou bolivianos devem saber alguma coisa sobre isso.

Um cubo mágico defeituoso, impossível de ser combinado, decifrado ou sei lá o quê. Mais: se o Brasil abrange quase todo o perímetro urbano da cidade de São Paulo, o local em que se deu essa última chacina está dentro ou fora do Brasil?

Se você não sabe, eu vou saber?

domingo, 6 de maio de 2007

Virada

[SÁBADO, 05/05] - Hein? Três milhões? No duro? E que papo é esse de batalha campal? Esse AQUI. Passei por lá, mas bem antes disso. Uma pena. Mas foi assim: eu, André e João descemos a Augusta e fomos baixar lá no Teatro Municipal. João Bosco dali a uns minutos. A fila dando voltas e mais voltas. O trânsito impossível. Mas achei muito louco ver o centro da cidade, usualmente vazio àquela hora (23:30hs, mais ou menos), lotadíssimo. E a gente ficou comentando como esse tipo de evento (ah, mil desculpas: Virada Cultural) era uma espécie de teste de fogo pra polícia. Porque se aquela multidão resolvesse, sei lá, brincar de Queda da Bastilha, caramba... Passamos pelo Anhangabaú e pelo Teatro e depois fomos a um prédio louquíssimo, casa de um amigo dos meus acompanhantes e onde rolava a festa de aniversário de alguém. Pouca gente, mas nem é disso que eu quero falar. O prédio, antiquíssimo, foi lar de Álvares de Azevedo e set do Castelo Ra-Tim-Bum e de um clipe do Supla (e eu nunca pensei que um dia fosse escrever esses três nomes numa mesma frase). Jonas, um dos moradores, conta que comia uma goiaba na cozinha quando alguém trouxe o Supla e eles apertaram as mãos e o Supla disse: Prazer, Eduardo. O sujeito mora no último andar, e há essa espécie de sacada (o telhado mesmo, na verdade) de onde dá pra enxergar o Viaduto do Chá e o Mosteiro de São Bento e parte do Vale do Anhangabaú e o edifício Martinelli lá no fundo e um monte de outras coisas. Encravado bem ali no meio. E ficamos por uma hora vendo as pessoas chegando pros shows que estavam rolando ou iam rolar no centro da cidade. Casais caminhando calmamente, de mãos dadas, pelo Viaduto do Chá, coisa impensável em, por assim dizer, noites normais. Mas, como escrevi acima, já tinha ido embora quando o pau quebrou. Logo, não posso escrever muito mais do que isso: que o pau quebrou. Bem no meio do show dos Racionais. Com o pai do Supla dizendo que a polícia fez uso exagerado da força. E um tenente da polícia dizendo que, dado o "histórico dos Racionais", os shows dos caras sempre acabam assim e eles, policiais, já estavam preparados porque imaginavam que aquilo fosse mesmo acontecer. Mas, como diria um escritor meu xará: eu não sei. E fico pensando em alguém como eu, de passagem por São Paulo e achando bacanérrimo esse lance de eventos culturais tomando a cidade durante vinte e quatro horas e todo mundo nas ruas, a noite toda, enfim, alguém assim feito eu se vendo obrigado a sair correndo em pânico pelas ruas do centro, morto de medo da polícia e morto de medo dos arruaceiros. Mas é aquela velha história, não? A de que, conforme Millôr Fernandes, a gente sempre pode contar com o ser humano. Fardado ou não. Da Zona Leste ou dos Jardins.

Mas André e eu ficamos no tal prédio louquíssimo até pouco depois de uma da manhã. Descemos e pegamos o metrô na Estação São Bento. Ao Cinesesc para a sessão das duas horas de "Baixio das Bestas", o novo fracasso ético e estético de Cláudio Assis. O público, compreensivelmente, ria nas "horas erradas" porque, ora, o filme, risível, presta-se a esse tipo de coisa. Se eu tivesse quatro anos, talvez ficasse chocado. Se eu tivesse oito anos, talvez ficasse impressionado. Mas só fiquei com preguiça. Lembro de ter rido no meio da sessão, quando aparece um córrego e vemos cavalos (ou jumentos? ou éguas?) sendo lavados. Juro que fiquei esperando a "turminha do mal" do filme entrar em cena e, sabe como é, eles e aqueles animaizinhos quadrúpedes num mesmo quadro e coisa e tal. Pois é. A gente sempre pode contar com o ser humano.

sexta-feira, 4 de maio de 2007

Fazendo fita - Leblon

[QUINTA-FEIRA, 03/05 # SEXTA-FEIRA, 04/05] - Maluquice. Andando pela cidade com Estela e o bacanérrimo Vacilão e o nosso guarda-costas Michael e sendo filmado. Fiquei me lembrando de Simone Campos dizendo que, caso tivesse de fazer algo assim, as imagens captadas seriam dela correndo horrorizada, tropeçando e caindo de cara no chão. Eu me incomodei menos, por certo. Um susto na Praça da Sé, quando ainda estávamos sem o nosso segurança e um mendigo ficou injuriado porque o teríamos filmado. Tirou foto tem que pagar!, berrou. Nunca fiquei tão feliz na vida por ver um policial. Uma volta pelos lugares que citei aqui. Sempre me sinto péssimo na Sé. Todo aquele desespero escorrendo por tudo que é lado. No metrô, a coisa foi mais tranqüila. Todos ao redor curiosíssimos e tal, aquela expressão de É PRO FANTÁSTICO? nas caras das pessoas. Depois, à Augusta pra ver o entardecer. Sentado a uma mesa do Ibotirama, na calçada, e a noite despencando, ruidosa. A Augusta se travestindo inteira, tinindo pra noite. É algo impressionante de se ver. Mesmo com uma câmera apontada pra minha fuça, consegui me perder por lá de novo. Uma bruta vontade de chorar. Os joelhos se quebrando. A rua inteira rindo pra mim com todos os dentes. Nunca me senti tão pequeno na vida. Estranho isso. Mesmo com uma equipe de filmagem me seguindo, mesmo assim foi como desaparecer completamente. Grandimensa saudade de algo que não sei o que é mas tenho certeza de nunca ter tido. Nostalgia por uma pá de coisas ausentes, claro, mas que, na verdade, nunca estiveram aqui dentro. Tipo chorar por um terceiro rim, talvez. Doeu. Foi lindo. Mas doeu demais. Ainda dói. À deriva. Mas sei lá que diabo é isso. Sei lá o que essa cidade quer de mim. Sei lá o que é essa cidade. Sei lá se essa cidade quer alguma coisa de mim. Precisar, ela não precisa, por certo. Por que precisaria? Agora há pouco, vindo pra essa LAN na Augusta, atravessei meia Paulista com os olhos fechados. Por quê?

Ontem à noite, ao Balcão com Estela. Ela teve de ir embora logo, filhinho (a) pequeno (a) e tal. Fiquei por lá um tempo e depois caí de pára-quedas no Leblon. E conheci esse sujeito, Magno ou Magnum (ou coisaqueovalha), dono de um bar que fica na Augusta, o Sarajevo. A conversa rendeu. Comentários sobre o apartheid paulistano, esse lance de oitenta por cento da população ser excluída. Depois, conversei longamente com uma garota. Só mesmo depois de muita cerveja pra conseguir abordar uma mulher deixando bem claro que não a estou cantando e que só quero que ela me conte alguma história. Explico quem sou e o que estou fazendo em São Paulo. A garota me conta que talvez (sic) esteja apaixonada por uma drag queen. Nunca transaram. Sequer se beijaram alguma vez. A drag a trata pessimamente. Só liga quando precisa de alguma coisa. Dinheiro, por exemplo. Depois de me contar tudo, a garota teve de ir embora com a mãe. Esta, sentada a uma mesa com dois senhores, ficava me olhando, curiosa. Viu a aliança no meu dedo e deve ter pensado: Minha filha só entra em roubada. Depois, comentei com meu vizinho de balcão, Magno ou Magnum, a história da moça. Ele me olhou sorrindo e perguntou: Onde mais você ouviria uma história dessas? Hein?

quinta-feira, 3 de maio de 2007

Exposição prolongada - Cadê a quatrocentona?

[QUARTA-FEIRA, 02/05] - A equipe do documentário veio me entrevistar. Para hoje, programaram me filmar andando pelos lugares da cidade que achei mais bacanas (Sé, Luz). Exposto sem que isso chegue a incomodar. Falando por uma hora e meia sem que ninguém me colocasse freios. Muito generosa a Estela ou Stella. Eu, São Paulo, eu. A equipe no meu quarto, luzes e lentes e tal. Deixa e resposta, mas não como no poema de Montale. A vizinha varicosa berrando ao telefone e eu tendo de repetir e recomeçar a todo momento. Não que me incomode repetir o inexprimível, mas o lance é justamente esse, verbalizar tais e tais coisas que não estão claras nem pra mim. No escuro. Ou do escuro. Mas sempre com um tempinho pra respirar.

Após as 23 horas, insone, caio na Augusta. Batendo papo com as putas (relaxa, amor, que eu só conversei), todas são de fora. Assim, não conversei com nenhuma puta que fosse uma paulistana de família quatrocentona cujo pai tivesse perdido a fortuna de gerações com o, sei lá, Plano Verão. Nordestinas ou filhas de nordestinos, uma do Espírito Santo e uma gaúcha. O narrador de "O sol se põe em São Paulo", romance de Bernardo Carvalho: oitenta por cento dos moradores de São Paulo são excluídos. Isso é claro demais. Palpável. E, no caso das putas, tristemente apalpável. Nossa. Piadinha infame. Foi mal. Mas, conversando com as primas, não percebi nenhum ranço de autopiedade ou coisaqueovalha. Não que isso seja vantagem ou diminua o tamanho do tumor sócio-econômico e coisa e tal. Fiquei pensando nas putas de Brasília, velhas conhecidas. Gostavam de bater papo. Perguntei às daqui se poderia filmá-las falando o que quisessem, e a resposta corrente foi: Pagando, pode fazer o que quiser. Ri, agradeci, bati em retirada e baixei no Ibotirama. Cerveja no balcão. Uns e outros me olhando engraçado, ou talvez tenha sido impressão. Sozinho, à meia-noite e meia, bebendo, aliança no dedo, devem ter pensado: Mais um canalha. Subi a Fernando de Albuquerque, dois caras me seguiram metade do caminho. Achei que ia ser assaltado, mas eles sumiram. Na Bela Cintra, o Leblon. Quase vazio. Outra cerveja, o bartender não era muito de conversa. Pensando na Márcia Denser estatelada na minha cama. No livro dela, bem entendido. "Diana caçadora". Em como o conto "Ladies first" pode ter salvo a minha novela. Posso chamar minha novela de romance? Histórias de amor também são histórias de violência.

terça-feira, 1 de maio de 2007

Evandro - Mirisola

[SEGUNDA-FEIRA, 30/04] - Pedroso de Moraes 809, Pinheiros, é o endereço do sebo Avalovara. O proprietário, Evandro Affonso Ferreira, autor de "Zaratempô", "Catrâmbias!" e "Araã!", dentre outros, revela logo de cara que seu projeto é ser o escritor menos conhecido do país. Diz estar conseguindo. Quando Dheyne pergunta se tem algum livro de Caio Fernando Abreu por ali, a resposta dele é hilária e imediata: No meu sebo não entra veado! Dali fomos à Fnac, do outro lado da rua, tomar um café. Éramos Francisco, doutorando na USP (sua dissertação de mestrado, pelo que entendi, é sobre Kafka), Dheyne, André, Evandro e eu. A conversa, engraçada e muito agradável, girou, é claro, em torno de literatura. Em resumo, o que Evandro falou e eu assinei embaixo foi: Fica na tua porque esse meio é foda. O toque quase surreal, posto que tão inesperado, ficou por conta da chegada de Marcelo Mirisola, amigo do Evandro (que afirmou gostar do Marcelo e desgostar dos livros do Marcelo, sendo que Marcelo também gosta do Evandro e desgosta dos livros do Evandro, e assim eles se dão muito bem, obrigado). Um sujeito afável, o Mirisola. Pelo menos foi a impressão que tive ontem. Porque há todo o barulho que volta e meia ele faz na imprensa por conta disso ou daquilo (Amores Expressos incluído, tão lembrados?) e, claro, os livros que ele escreve e, bem, o "natural" talvez fosse dar de cara com um porralouca daqueles, intratável, mas... não. Quero dizer, ele fez, sim, uma piada envolvendo o projeto. Assim que chegou e fomos apresentados, sorriu e disse: GASTANDO DINHEIRO PÚBLICO AÍ? Como NÃO estou gastando dinheiro público, ri da gracinha e continuamos todos conversando numa boa. Com ou seu dinheiro público, quem pagou os cafés foi o Evandro e a tarde foi mesmo supimpa.