amores expresos, blog da CECÍLIA

quinta-feira, 3 de maio de 2007

Exposição prolongada - Cadê a quatrocentona?

[QUARTA-FEIRA, 02/05] - A equipe do documentário veio me entrevistar. Para hoje, programaram me filmar andando pelos lugares da cidade que achei mais bacanas (Sé, Luz). Exposto sem que isso chegue a incomodar. Falando por uma hora e meia sem que ninguém me colocasse freios. Muito generosa a Estela ou Stella. Eu, São Paulo, eu. A equipe no meu quarto, luzes e lentes e tal. Deixa e resposta, mas não como no poema de Montale. A vizinha varicosa berrando ao telefone e eu tendo de repetir e recomeçar a todo momento. Não que me incomode repetir o inexprimível, mas o lance é justamente esse, verbalizar tais e tais coisas que não estão claras nem pra mim. No escuro. Ou do escuro. Mas sempre com um tempinho pra respirar.

Após as 23 horas, insone, caio na Augusta. Batendo papo com as putas (relaxa, amor, que eu só conversei), todas são de fora. Assim, não conversei com nenhuma puta que fosse uma paulistana de família quatrocentona cujo pai tivesse perdido a fortuna de gerações com o, sei lá, Plano Verão. Nordestinas ou filhas de nordestinos, uma do Espírito Santo e uma gaúcha. O narrador de "O sol se põe em São Paulo", romance de Bernardo Carvalho: oitenta por cento dos moradores de São Paulo são excluídos. Isso é claro demais. Palpável. E, no caso das putas, tristemente apalpável. Nossa. Piadinha infame. Foi mal. Mas, conversando com as primas, não percebi nenhum ranço de autopiedade ou coisaqueovalha. Não que isso seja vantagem ou diminua o tamanho do tumor sócio-econômico e coisa e tal. Fiquei pensando nas putas de Brasília, velhas conhecidas. Gostavam de bater papo. Perguntei às daqui se poderia filmá-las falando o que quisessem, e a resposta corrente foi: Pagando, pode fazer o que quiser. Ri, agradeci, bati em retirada e baixei no Ibotirama. Cerveja no balcão. Uns e outros me olhando engraçado, ou talvez tenha sido impressão. Sozinho, à meia-noite e meia, bebendo, aliança no dedo, devem ter pensado: Mais um canalha. Subi a Fernando de Albuquerque, dois caras me seguiram metade do caminho. Achei que ia ser assaltado, mas eles sumiram. Na Bela Cintra, o Leblon. Quase vazio. Outra cerveja, o bartender não era muito de conversa. Pensando na Márcia Denser estatelada na minha cama. No livro dela, bem entendido. "Diana caçadora". Em como o conto "Ladies first" pode ter salvo a minha novela. Posso chamar minha novela de romance? Histórias de amor também são histórias de violência.