amores expresos, blog da CECÍLIA

segunda-feira, 30 de abril de 2007

Liberdade - Sala de Justiça

[DOMINGO, 29/04] - Desencontros. Tinha marcado com André e Dheyne e May: nas catracas da Estação Liberdade às treze e trinta. Catorze horas e nada. Saí pela feira sozinho. Depois eu soube, chegaram minutos depois. Durante duas horas e meia, andamos e caminhamos e compramos coisas e comemos por ali, talvez a pouquíssimos metros de distância, mas nada de um topar com os outros. Mas um primeiro contato sozinho com o local talvez fosse o mais apropriado. Andei bastante pela feira. A língua japonesa vindo de toda parte. Os mais velhos. Comprei sushi em uma barraca e fui atendido por uma moça bem jovem. Uma senhora logo atrás dela falando qualquer coisa em japonês. Quem é?, perguntei. Minha avó, a moça sorriu. Comi ali mesmo, ao balcão, ouvindo a ladainha da velha. Quis conversar mais com a menina, perguntar da avó, do bairro, mas o movimento era intenso demais. Muitos clientes. Terminei de comer, agradeci (ela não ouviu) e fui andar mais. A rua Galvão Bueno. Lanternas. Galerias saídas da Los Angeles de "Blade Runner". Não é pra tanto. Ri comigo e de mim: se me sinto assim na Liberdade num domingo, imagina o Cuenca em Tóquio. Um velho cantando. Apontei a câmera para ele, que me pediu com a cabeça: Não. Não filmei. Fui pro outro lado. O Viaduto Cidade de Osaka. São Paulo a perder de vista. Carros demais. Não é feriado? A cidade não devia estar menos cheia?

À noite, André me liga. Como no domingo da semana anterior, agora com Dheyne, vamos à Sala de Justiça (Ibotirama). Bohemias, fritas, a grande fauna ao redor provavelmente olhando pra nós e pensando: a pequena fauna ao balcão. Além de termos todos ido à Liberdade e nos desencontrado, também fomos ao Shopping 3 depois que saímos da feira e nos desencontramos. Eu fui ao shopping ver um filme, "O Cheiro do Ralo". Eles, à feirinha no piso inferior. Estávamos todos por ali e (me diz André) "São Paulo é isso mesmo". Mas eu já sabia. Acho.

domingo, 29 de abril de 2007

André - Manabu - Bouvier




[SEXTA-FEIRA, 27/04] - Conheci André Carvalho pela internet. Ele lia o meu finado blog Canis sapiens e um dia me mandou um e-mail bacaníssimo. Dizer que a gente começou a se corresponder seria exagero, porque o André tem uma certa fobia de e-mails por causa de um trampo que ele tinha e que eu nem sei direito o que era. Acho que era isso, responder e-mails. Daí ele tomou horror pela coisa e tem uma certa dificuldade com esses troços. Mas trocamos alguns nos últimos, sei lá, dois anos. Quando surgiu a oportunidade de eu vir pra São Paulo, ele foi a primeira pessoa que pensei em contatar e tal. Mas ele não apareceu na minha primeira semana aqui. Nem sinal do cara. Aí um dia ele me liga e diz: E aí? Já sentiu a solidão da cidade e tal? E eu pensei: Sacana. Porque eu já tinha sentido, sim. Na primeira semana aqui, eu até já escrevi isso, fiquei travadíssimo, sem saber pra onde ir e passando muito tempo preso no flat. Então, há uma semana o André fez contato e a gente saiu, juntamente com a May, pro Ibotirama. Mas já contei isso também.

E então fui à casa dele na sexta passada. A Dheyne chegou de Goiânia e nos encontramos todos na esquina da Paulista com a Augusta, no Conjunto Nacional. Eu não via a Dheyne há alguns meses, a gente se abraçou e eu a levei pra almoçar ali perto, no Shopping 3. Tinha saído de Goiânia às 22 horas da noite anterior e chegado a São Paulo num autêntico dia paulistano, chuvoso e quase intransitável. Um autêntico dia paulistano pra vocês, goianos, alguém me disse, acho que o André. Dheyne almoçou e fomos todos (tinha também uns amigos do André, incluindo um sujeito de uma banda de Curitiba que ia tocar naquela noite, numa boate ou coisa parecida na Vila Madalena) pro apartamento do André. Perdizes, rua Franco da Rocha. Pegamos um ônibus lotado, mas lotado mesmo, e fizemos o trajeto, curto, em quase meia hora. O trânsito aquele horror. O clima aquele horror maravilhoso. Descemos na Sumaré e subimos a Franco da Rocha e logo estávamos no apê do André. Aceitei uma Heineken e ficamos papeando e eu olhando os livros dele. Conforme tinha prometido, André me deu um exemplar de "V", de Thomas Pynchon. Quase chorei. Exagero. Mas foi bacana. Muito mesmo. Fiquei por lá um tempo, mais umas cervejas, metendo a câmera na cara dos outros (sorry, vem com o pacote), e falamos de erros de tradução, escritores curitibanos, bandas, baladas, o trabalho do André, o meu trabalho e gatos. Fui embora feliz, debaixo de chuva, depois de confirmada a ida à feira da Liberdade hoje, domingo.

[SÁBADO, 28/04] - Pinacoteca. Já fui ao Museu da Língua Portuguesa do outro lado da rua no meio da semana. A julgar pelo tamanho da fila, quase dando a volta na Estação da Luz, acho que escolhi o dia certo pra ter com Clarice Lispector. Então, à Pinacoteca. Fiquei umas três horas por lá olhando as obras e as pessoas. Especialmente as pessoas. Um sujeito diante de uma tela de Manabu Mabe. Ficou lá uns dez minutos. A tela é realmente lindíssima. Não é a que ilustra esta postagem (esta é "Contemplação", de 1968), não consegui encontrá-la pra jogar aqui. Eu nunca tinha estado diante de uma tela de Manabu Mabe. E o sujeito, braços cruzados, não se movia. Parei ao lado dele. Uma mulher, talvez a esposa, chegou e parou logo atrás. Perguntou pra ele: O que isso te diz? Ele, sem se virar, meio-sorriso na cara, respondeu no ato: E por que tem que me dizer alguma coisa?

Nicolas Bouvier. "O olhar do viajante". Fotos lindíssimas de uma viagem que Bouvier, escritor suíço, empreendeu entre 1953 e 1955, saindo de Genebra e chegando ao Ceilão. Trechos de escritos dele, também. Não me lembro das palavras exatas, mas um desses trechos diz que você não faz a viagem, mas é a viagem é que faz ou desfaz você. Abaixo, uma das fotos da exposição:




sexta-feira, 27 de abril de 2007

Dor - Dheyne - Cidade invisível

[QUINTA-FEIRA, 26/04] - Ontem, mal consegui sair. Fazer alguma coisa, ir a algum lugar. Tinha combinado ir com o Chico Mattoso a algum lugar saudavelmente bizarro, mas não deu. Uma notícia terrível recebida de uma maneira terrível, por e-mail, e depois confirmada por telefone. Uma ex-sogra, senhora já de idade, assassinada por assaltantes em sua própria casa. Um tiro na nuca. Morava na fazenda com o esposo, também de idade, no interior de Goiás. Levaram quinquilharias, coisas de valor quase nulo. E, no entanto, levaram o que havia de mais valioso por lá. Levaram a vida dela. Me escondi num cinema da Paulista. Duas sessões. Mas não me lembro do que vi.

[SEXTA-FEIRA, 27/04] - Hoje, Dheyne chega de Goiânia. Vai me ajudar a ficar de pé. Vem pro feriado e vai ficar hospedada na casa do outro André. A ida à Liberdade que o André me prometeu. Agora iremos os três. No domingo. Antes, o que nos vier à cabeça. Melhor não ficar planejando nada de antemão porque a cidade sempre me leva pra outro lugar. Falando nisso (em São Paulo), comecei a ler o livro de Bernardo Carvalho, "O sol se põe em São Paulo". Provavelmente não terei tempo de engatar a leitura pra valer por esses dias e tal, mas, logo nas primeiras páginas, ele desenvolve umas idéias muito interessantes sobre a cidade. Como se ela quisesse ser um monte de coisas que não é. Não sei se sinto ou penso assim. Na verdade, essa cidade nunca vai caber inteira na minha cabeça. Acho que, quando pensar em São Paulo daqui pra frente, vou pensar num monte de cidades distintas e muitas vezes irreconciliáveis.

Chuva. Tive que parar pra olhar. A Paulista debaixo de chuva, e os paulistanos. Não aquela chuva prometida por DeNiro em "Taxi Driver", nada daquilo. Uma chuva franca num dia claro. Nublado, meio cinzento, mas claro. E eu procurando São Paulo em toda parte e a cidade parecendo nunca estar onde fixo o olhar. Como o sertão de Rosa, me cercando sem que eu perceba. Uma autêntica cidade invisível, talvez. Sendo o que não é sem que isso seja bom ou ruim. Ou não. Talvez seja exatamente o que há de mais louco em São Paulo, a capacidade de ser inúmeras cidades e, ao mesmo tempo, cidade alguma. Tô viajando muito? Bacana. Recebo pra isso.

Sé - Luz - Clarice

[TERÇA, 24/04] - Poucas vezes vi tanta gente desesperada. Desesperados de todo tipo. Evangélicos gritando desesperadamente, mendigos pedindo desesperadamente, garis varrendo desesperadamente (e inutilmente), engravatados berrando desesperadamente em seus celulares. Estive em São Paulo outras vezes, mas nunca na Sé. Na catedral, uma pá de gente dormindo pelos bancos. E nem era hora da missa. Fora, contudo, é que estava o show. Um pedinte caminhou lado a lado com um senhor por quase toda a praça e foi ignorado de ponta a ponta. Quer dizer, o tal senhor não disse nem mesmo um CAI FORA ou um NÃO TENHO NADA, SAI. Um sujeito sentado nas escadarias da catedral chorava. Discretamente, mas chorava. Tapando o rosto. Mais embaixo, lá pros lados do Centro Cultural da Caixa, repentistas e evangélicos faziam das suas a uma distância mínima. Fiquei bem no meio, entre as duas aglomerações. O som, caótico, era delirantemente paulistano, pensei. Porque as hostes do Senhor oravam aos berros e o repentista cantava bem alto e o ritmo que a coisa ganhou era absurdo, uma cacofonia das boas pra quem (como eu) estava disposto a ouvir. Dei uma passada no Centro Cultural da Caixa, mas ele estava vazio. Um aviso de que estaria fechado daquele dia até meados de maio. Mas não estava fechado. Apenas vazio. Um monte de vigias me olhando engraçado. Tipo, O QUE ESSE SUJEITO QUER VER AQUI? Continuei caminhando por uns bons vinte minutos, passei pelo Pátio do Colégio, pela BOVESPA, pelo Mosteiro de São Bento e, enfim, descendo a ladeira Constituição, cheguei à Vinte e Cinco de Março. Menos cheia do que eu esperava, mas ainda assim bastante cheia. Parei numa esquina, fechei os olhos e fiquei só ouvindo. Uma espécie de coral maluco. Ambulantes. Polícia por todo lado. Achei que fossem descer o porrete no pessoal outra vez, como há alguns dias. Mas não aconteceu nada, felizmente. Depois de um tempo, voltei andando para a Praça da Sé, peguei o metrô e voltei pro flat. Era tarde. Mas ainda era dia.

[QUARTA, 25/04] - Estação da Luz. Um sujeito com uma identidade da Universidade de Brasília me aborda dizendo que ele e a turma dele vieram a São Paulo pra uma convenção ou coisa que o valha de estudantes de Engenharia Elétrica e foram assaltados. Precisavam de grana pra pegar o metrô e chegar ao hotel, de onde seriam levados a Congonhas. Perguntei como está Brasília. Ele me disse que é um dos donos de um clube na Asa Norte onde rola jazz e blues e que uma das colegas dele é filha da dona do restaurante Cheiro Verde, um dos mais bacanas da capital federal. Ajudei como pude. Daí fui ao Museu da Língua Portuguesa ali ao lado ver a exposição sobre Clarice Lispector. Fiquei duas horas lá dentro. Uma pá de gavetas. Você abre uma gaveta e tem uma surpresa. Às vezes, uma epifania. Um documento dela, um manuscrito, uma carta, fotos. Duas horas arrepiado, segurando um choro que eu nem sabia de onde vinha. A gaveta que mais me tocou: os originais, repletos de correções e anotações, de um livro chamado "Obje(c)to Gritante", depois rebatizado e lançado com o título "Água Viva". Maravilha. E a voz dela. Uma entrevista sendo exibida numa tela. Ela se dizendo morta. Pode até ser, mas não ali. Não naquele museu maravilhoso, encravado justamente na Estação da Luz.

Primeira semana

Primeira semana complicada. Ou difícil. Seilá. Vendo a cidade da janelinha do avião, sabe? Mesmo já tendo estado aqui antes, mas não com essa "obrigação" de apreendê-la, e pensando: grandimensa, né? Uma perplexidade saudável. Os primeiros cinco dias nas redondezas do flat. Não que seja ruim, porque nas redondezas do flat estão a Paulista, a Augusta e a Consolação. Eu ainda não me perdi, entretanto. Mas tenho tentado. Juro que tenho.

Tem um bar na Augusta que dá pra outro bar dentro daquele bar. Ou talvez eu tenha confundido tudo. De qualquer forma, eu fui entrando sozinho e ninguém olhava pra mim enquanto eu entrava e daí eu pensei: São Paulo é isso. Não é? Ninguém olhar pra você enquanto você entra. Ou sai. Ou fica parado. Lugar-comum, eu sei. Mas isto é um blog. Num blog você despeja os lugares-comuns pra, depois, não fazê-lo num livro. Eu acho. Não que eu esteja me desculpando. Mas ontem (segunda) à tarde tinha essa moça caída quase na esquina da Bela Cintra com a Paulista. Bem na porta de uma farmácia grande que tem ali. Ela tava lá, caída, mas, não, ninguém parou pra ver qual era. Eu não parei. Eu também não parei. Porque antes que eu chegasse à outra calçada ela se levantou e saiu andando Bela Cintra abaixo. Ajeitando os cabelos. Mas o lance não é sequer que ninguém ajudava a moça, sabe? O lance é que ninguém nem mesmo olhava.

No domingo, o André, um amigo, e a May, uma amiga, me levaram ao Ibotirama, também ali na Augusta. O André me disse que o bar estava meio que se tornando um reduto de lésbicas. Olhei em volta e pensei que ele estava exagerando. Tinha muitas lésbicas, mas, pôxa, em qualquer bar ali da região (eu acho, ou tenho notado) tem muitas lésbicas. Daí que eu pensei em escrever uma novela protagonizada por um casal de lésbicas. Escrever sobre uma coisa que eu conheço tão pouco. Falei isso pro André e ele achou bacana e disse que ia me levar à casa dele. Ele mora com duas homossexuais. Eu vou falar com elas, sabe? Ver se aprendo alguma coisa. Ver se aprendo a chamar as coisas pelos nomes certos. E ver se sou mesmo capaz de escrever um troço que seja bacana e verdadeiro. Elas vão me dizer isso, talvez. Sim ou não.

No sábado, fui conhecer a Mercearia São Pedro. Antes, fiquei vadiando pela Vila Madalena e ela me lembrou um pouco o Setor Oeste de Goiânia. As ruas, o estilo dos bares. Árvores. Muitas árvores. Pelo menos nas ruas pelas quais passei. Rodésia. Mas, claro, nenhum bar em Goiânia (ou em qualquer outra cidade que eu conheço) se parece com a Mercearia. O Joca tinha ido à feira na Benedito Calixto e comprado uma vitrola e uns vinis. Colocou Roberto Carlos, depois Tom Waits. Ali mesmo, sobre a mesa. Comprou umas pilhas na Mercearia e ligou a vitrola.

Durante essa primeira semana tentei escrever. E escrevi. Mas aconteceu um troço maravilhoso: a história que eu tinha mais ou menos armada na cabeça, bem, ela foi pro espaço. A cidade fez isso. Eu tinha pensado numas coisas, numa estrutura, num enredozinho, mas bastaram uns poucos dias pra sacar que não ia funcionar. O engraçado é que eu até me filmei, num dos primeiros dias, falando dessa história que eu queria escrever, três vozes narrativas, um troço todo estruturadinho e tal. Dois dias depois, nada feito. Meio patético, claro. Mas dane-se. A cidade me deu outras mil possibilidades narrativas, por assim dizer.

Fui ao centro antigo ontem. Uma cachaça na Maria Paula. A praça João Mendes e uma coisa bem louca: putas e advogados tomando café lado a lado numa lanchonete perto do Fórum. O Joca tinha me falado disso, mas eu precisava ver. Programei começar a conhecer mais os bairros nesta semana. Já marquei uma ida à Liberdade no domingo, pra feira. Tô louco pra ir antes, e pode ser que eu vá. Hoje, vou ao Bixiga. Eu acho. Vou resolver quando estiver indo pra estação do metrô.