amores expresos, blog da CECÍLIA

quinta-feira, 17 de maio de 2007

Escrevendo

The poet acts é a primeira faixa da trilha-sonora de As Horas/The Hours. Philip Glass é o compositor. Sempre que estou escrevendo e travo, faço uma das seguintes coisas e o texto volta a fluir: a) leio um parágrafo, qualquer parágrafo, de um livro, qualquer livro, de Thomas Pynchon, ou b) coloco a trilha-sonora de As Horas. Pynchon sempre me lembra que "pode tudo", desde que você saiba exatamente o que está fazendo e por que razão; a música de Glass simplesmente me acalma.

Hoje faz duas semanas que estou escrevendo o meu romance para a coleção Amores Expressos. Antes, tomei notas e passeei bastante por São Paulo. A estrutura já está bastante clara para mim, embora não a tenha, ainda, como definida. Um romance em três partes, com seis personagens. Vozes narrativas cambiantes, tudo se revelando de uns jeitos quebradiços, fragmentados. Percebi São Paulo assim, fragmentada, quebradiça, dividida em tantas partes e essas partes se revelando muitas vezes irreconciliáveis entre si e consigo mesmas. Uma cidade desencontrada, cujas partes freqüentemente não se encaixam. Quero que meu romance reflita isso.

Quando me falaram do prazo para entregar os originais, 90 dias contando com os 30 dias em São Paulo, quase entrei em pânico. Em condições normais de temperatura e pressão, costumo dizer, não escrevo nem mesmo um hai-kai em noventa dias. Mas depois me acalmei. Primeiro, porque estas não são condições normais de temperatura e pressão. Segundo, porque a coisa está fluindo muitíssimo bem e, sem stress algum (mas contando com doze, às vezes catorze horas diárias de trabalho), certamente entregarei os originais bem antes do prazo final. O problema foi encontrar o tom e os diversos arcos narrativos. Depois disso, tudo se resolveu. Tudo ficou, sim, "fácil". Nesses primeiros dias, tendo mais ou menos definido a ossatura da coisa, permiti que o romance se escrevesse, por assim dizer, mas sem "acasos". Logo, creio ter me adaptado às condições, e posso dizer que o livro que sairá disso não será bom ou ruim (dependendo de quem o ler, obviamente) em função dessas condições ou limitações de tempo, tema e cenário. O livro será bom ou ruim independentemente disso. Tudo o que sei é que tenho trabalhado bastante e escrito com muito, muito gosto. No fim das contas, depois de todo o circo que se armou no começo, depois de todas as matérias bem ou pessimamente intencionadas, mais ou menos parciais, depois de toda a balbúrdia, depois de tudo, enfim, o que vai interessar, o que as pessoas vão se perguntar é: E os livros? Bons, ruins? Quais ficaram bacanas, quais não ficaram bacanas? E por quê?

É o que importa, afinal. O resto é a cretinice habitual de uns e outros.