amores expresos, blog da CECÍLIA

sábado, 19 de maio de 2007

Processos

Sim, a estrutura todinha, mas todinha mesmo, está pronta. A coisa funciona assim: penso num arco narrativo completo. Depois que entendo como pronto, ou muito bem delineado, esse arco narrativo, começo a escrever. Porque até aí eu já terei gasto meio caderno universitário com anotações sobre o que quero escrever e como. Uma vez que começo a escrever, meus rascunhos seguintes servem para esclarecer o entorno do arco narrativo principal, que logo talvez nem seja mais o principal, mas apenas o elemento detonador do processo todo. Para mim, só é doloroso o começo, quando as coisas ainda não estão claras e eu preciso tatear no escuro, procurando a estrutura, a forma e o tom adequados à história que quero contar. Não admito gratuidades. Não admito acasos. Não jogo conversa fora, em suma. Odeio amadorismos, acho nojento aquele ideal boboca de "inspiração", em que o escritor se diz "tomado" por alguma coisa que ele não entende direito o que é, algo "maior" do que ele etc. e tal. Tá com febre? Procura um médico. É "febre criativa"? Tenta um psicanalista. Ou um padre.

Falei, no último post, em três partes. Era o que estava na minha cabeça, mas percebi hoje que seria redundante uma terceira parte. Não no sentido de que a quarta parte de "O som e a fúria", como querem alguns, é redundante. Faulkner, sendo quem era, podia se dar ao luxo de ser "redundante" o quanto quisesse. Eu, felizmente, ainda tenho não muito, mas tudo pra provar. Sendo assim, resolvi arriscar. O romance, então, terá duas partes. A primeira, praticamente pronta, em terceira pessoa. Uma espécie de introdução aos seis personagens principais. A segunda parte, já estruturada mas ainda não iniciada, terá seis capítulos, um para cada protagonista. Primeiras pessoas. Mas não só isso. Serão seis vozes, com seis estilos completamente diferentes. Mas completamente diferentes mesmo. Mais não posso nem vou dizer.

Interessante como o arco narrativo original, envolvendo duas lésbicas, acabou distendido, por assim dizer. O entorno ganhou forma, ganhou vida, e não se pode dizer que elas, minhas amigas (sem ranço pejorativo, por favor) dykes, sejam as únicas protagonistas da história. O nível de fragmentação buscado e atingido prescinde disso, e o que era um enredo pontuado por vários subenredos acabou se tornando uma sucessão de enredos de igual importância. Esse tipo de construção, para mim, é "geométrico", por assim dizer. Quero dizer, eu fecho os olhos e vejo diversas figuras, de formas distintas, sendo desenhadas num quadro-negro. Cada figura, obviamente, tem as suas particularidades, e o meu trabalho é, primeiro, descrevê-las da melhor forma possível, e, depois, distorcê-las, apagando lados inteiros e as transformando em outras figuras, mas sem descaracterizá-las totalmente. Parece complicado demais? Godard já dizia: "Mais o organismo é complexo, mais ele é livre".

Eu não poderia deixar de arriscar. Eu preciso. É aquilo tão bem explicitado na frase de Manoel de Barros: "Ninguém foge do erro que é". Tenho limitações de tempo, tema e ambientação, mas nada disso é problema. A sensação de extrema liberdade que sinto neste momento é muito difícil de ser verbalizada, mas é o que sinto quando estou escrevendo, cada frase trazendo em si o germe não apenas da seguinte, mas de todas as outras, anteriores e posteriores, tudo conectado, interligado, um organismo completo, inteiro, feito os elementos de uma equação. Sim, é matemático, mas não apenas matemático, posto que minhas vísceras, embora autoconscientes, não são mensuráveis.

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AVISO AOS LEITORES: Para tornar as coisas mais fáceis para os (quatro ou cinco) que (ainda) me lêem, informo que este espaço será atualizado a cada dois dias. A próxima atualização, portanto, será feita no dia 21/05, segunda-feira. Obrigado a todos.