amores expresos, blog da CECÍLIA

segunda-feira, 21 de maio de 2007

Epígrafes, dedicatórias, responsabilidades

Manias, eu sei. Mas sempre começo um livro, bem, do começo mesmo. Compro um caderno, abro na primeira página e escrevo ali o título (mesmo que provisório), o meu nome e, lá embaixo, a data e o local em que comecei. Na segunda folha, a dedicatória. Na terceira, a epígrafe. Da quarta em diante, bem, começam os problemas. Ou, melhor dizendo, as soluções. Quem me conhece e acompanha o meu trabalho sempre achou essas manias no mínimo engraçadas. Ter um título, uma epígrafe (ou duas, no caso do meu romance para o Amores Expressos) e uma dedicatória, mas não um livro. Acho tudo normal. Quando se trata de escrever, acho tudo muito, muito normal.

Inclusive jornadas diárias de trabalho de dezoito horas seguidas. Não, mentira. Seguidas, não. Paro aqui e ali pra ir ao banheiro, pra comer alguma coisa, pra fazer um alongamentozinho, pra trocar uma idéia com a esposa. Bem, eu tenho um prazo a cumprir, um livro escritinho na cabeça precisando ir para o papel e uma enorme disposição que, muito provavelmente, não terei daqui a alguns anos. Logo, eu me permito ser um workaholic agora. Mais: eu estou adorando ser um workaholic agora. Não se trata de escrever o livro rápida ou lentamente. O livro já ganhou o ritmo dele e está saindo de acordo. Então, por mais que eu esteja trancado neste apartamento há sete dias, "preso" a uma rotina espartana de trabalho, bem, "apesar" disso e daquilo, eu estou realmente gostando da coisa toda em função de uma certeza: a de que estou, sim, trabalhando no troço mais foda que já escrevi, o que talvez não signifique muita coisa para muitos aí, mas, pôxa, pra mim significa muito, mas muito mesmo.

E acreditem (os que me conhecem que confirmem, por favor): se estivesse ficando uma merda, eu diria. Mas não está. Não mesmo.

Hoje, mais cedo, o cansaço bateu e eu comecei a me arrastar um pouco. Mas eu não queria parar. Precisava, portanto, de uma injeção de ânimo. Fui à estante e peguei minha edição de "O som e a fúria", de William Faulkner (Cosac&Naify, trad. de Paulo Henriques Britto). Abri numa página qualquer (166) e dei de cara com o seguinte trecho:

"Nossas janelas estavam escuras. A entrada estava vazia. Entrei caminhando junto à parede da esquerda, mas não havia ninguém: só a escada subindo em curva na sombra ecos de passos de gerações tristes como poeira leve sobre as sombras, meus passos a despertá-las como pó, que depois descia, leve, outra vez."

O homem pega as regras e as quebra ao meio, ou as subverte, transforma em outra coisa: "...só a escada subindo em curva na sombra ecos de passos de gerações tristes como poeira leve sobre as sombras...". Eram quinze horas quando li esse trecho. Depois que o li, sentei-me ao computador e escrevi sem parar até agora, dezoito e alguma coisa. Afinal, por menores que sejam, tenho lá as minhas responsabilidades.