amores expresos, blog da CECÍLIA

sexta-feira, 27 de abril de 2007

Sé - Luz - Clarice

[TERÇA, 24/04] - Poucas vezes vi tanta gente desesperada. Desesperados de todo tipo. Evangélicos gritando desesperadamente, mendigos pedindo desesperadamente, garis varrendo desesperadamente (e inutilmente), engravatados berrando desesperadamente em seus celulares. Estive em São Paulo outras vezes, mas nunca na Sé. Na catedral, uma pá de gente dormindo pelos bancos. E nem era hora da missa. Fora, contudo, é que estava o show. Um pedinte caminhou lado a lado com um senhor por quase toda a praça e foi ignorado de ponta a ponta. Quer dizer, o tal senhor não disse nem mesmo um CAI FORA ou um NÃO TENHO NADA, SAI. Um sujeito sentado nas escadarias da catedral chorava. Discretamente, mas chorava. Tapando o rosto. Mais embaixo, lá pros lados do Centro Cultural da Caixa, repentistas e evangélicos faziam das suas a uma distância mínima. Fiquei bem no meio, entre as duas aglomerações. O som, caótico, era delirantemente paulistano, pensei. Porque as hostes do Senhor oravam aos berros e o repentista cantava bem alto e o ritmo que a coisa ganhou era absurdo, uma cacofonia das boas pra quem (como eu) estava disposto a ouvir. Dei uma passada no Centro Cultural da Caixa, mas ele estava vazio. Um aviso de que estaria fechado daquele dia até meados de maio. Mas não estava fechado. Apenas vazio. Um monte de vigias me olhando engraçado. Tipo, O QUE ESSE SUJEITO QUER VER AQUI? Continuei caminhando por uns bons vinte minutos, passei pelo Pátio do Colégio, pela BOVESPA, pelo Mosteiro de São Bento e, enfim, descendo a ladeira Constituição, cheguei à Vinte e Cinco de Março. Menos cheia do que eu esperava, mas ainda assim bastante cheia. Parei numa esquina, fechei os olhos e fiquei só ouvindo. Uma espécie de coral maluco. Ambulantes. Polícia por todo lado. Achei que fossem descer o porrete no pessoal outra vez, como há alguns dias. Mas não aconteceu nada, felizmente. Depois de um tempo, voltei andando para a Praça da Sé, peguei o metrô e voltei pro flat. Era tarde. Mas ainda era dia.

[QUARTA, 25/04] - Estação da Luz. Um sujeito com uma identidade da Universidade de Brasília me aborda dizendo que ele e a turma dele vieram a São Paulo pra uma convenção ou coisa que o valha de estudantes de Engenharia Elétrica e foram assaltados. Precisavam de grana pra pegar o metrô e chegar ao hotel, de onde seriam levados a Congonhas. Perguntei como está Brasília. Ele me disse que é um dos donos de um clube na Asa Norte onde rola jazz e blues e que uma das colegas dele é filha da dona do restaurante Cheiro Verde, um dos mais bacanas da capital federal. Ajudei como pude. Daí fui ao Museu da Língua Portuguesa ali ao lado ver a exposição sobre Clarice Lispector. Fiquei duas horas lá dentro. Uma pá de gavetas. Você abre uma gaveta e tem uma surpresa. Às vezes, uma epifania. Um documento dela, um manuscrito, uma carta, fotos. Duas horas arrepiado, segurando um choro que eu nem sabia de onde vinha. A gaveta que mais me tocou: os originais, repletos de correções e anotações, de um livro chamado "Obje(c)to Gritante", depois rebatizado e lançado com o título "Água Viva". Maravilha. E a voz dela. Uma entrevista sendo exibida numa tela. Ela se dizendo morta. Pode até ser, mas não ali. Não naquele museu maravilhoso, encravado justamente na Estação da Luz.