amores expresos, blog da CECÍLIA

domingo, 3 de junho de 2007

Sobre o tempo - Um e-mail



SOBRE O TEMPO

Tenho lido pela internet, especialmente em blogs, a desconfiança de algumas pessoas em relação ao projeto Amores Expressos, desta vez no que se refere ao prazo de que nós, autores, dispomos para entregar os originais. Antes, o tiroteio dizia respeito a um suposto financiamento das viagens com verba de renúncia fiscal (isso já foi esclarecido, não?). Logo em seguida, passaram a reclamar de um suposto compadrio na escolha dos participantes (desmentido, vejam só, por mim: nunca tinha ouvido falar de Rodrigo Teixeira e não conhecia João Paulo Cuenca nem pela internet). Agora, o problema é o tempo. Dizem ser impossível escrever um bom romance em tempo tão curto (noventa dias no total). Ah, eu não sei. Quer dizer, eu estou escrevendo o meu romance, estou dentro do prazo acertado e, caramba, estou gostando do resultado. Eu e as pessoas que habitualmente lêem os meus originais durante o processo de criação (ver segundo tópico desta postagem).

Assim como muitos me desprezaram de antemão por ser o único autor com destino doméstico (como se o destino de cada escritor é que fosse determinar a qualidade de cada romance), outros (ou os mesmos, vai saber) agora se erguem (de onde?) pra dizer que livros escritos em prazo tão curto não podem ser bons. Eu digo que podem, sim. Eu digo que tudo é possível. É possível um romance trabalhado por quarenta anos ser uma merda, e é possível um romance escrito em quarenta dias ser uma beleza. Mas quem sou eu, né? Tipo, não sou ninguém. Tenho tudo pra provar. Mas posso dizer e digo: ESPEREM OS LIVROS. Posso dizer e digo: LEIAM ANTES DE JULGAR. E fico aqui imaginando o que vão arrumar em seguida pra encher o nosso saco.

***

UM E-MAIL

Tenho alguns poucos e excelentes amigos que acompanham todo o meu processo criativo. Gente boa como Wesley Peres e Lúcia Bettencourt. Apelidei essa galera de LSOAL (Leitores que Sofrem os Originais de André de Leones). Eles lêem e dizem, com toda a franqueza, o que estão achando. Apontam desde erros ortográficos e de sintaxe até problemas estruturais. Criticam sem dó. E isso é muito bom. Pessoas que respeito e em quem confio lendo meu romance-em-progresso e, sim, me ajudando a escrevê-lo, chamando a minha atenção aqui e ali, não me deixando perder o foco.

Recebi, há algumas horas, um e-mail de Tércia Neiva, integrante do LSOAL. Ainda ontem, enviara para ela o tratamento mais recente do romance. Ela me escreveu o seguinte:

André,

Acabei de ler a última versão de seu romance. Colei meus olhos nele durante 4 horas, entre 7 e 11 horas da noite, e agora posso lhe dizer, aliterando despudoradamente: Tem um mar ali dentro, meu amor. Maravilhas. Todas sustentadas por palavras que o dizem, André, uma a uma iluminando, catalisando o que, sem dor e elipses, dificilmente se verbaliza. Tudo foi idéia sua. Todos os cenários possíveis. Personagens à beira de morte súbita. Bacana do começo ao fim (até porque sei que você voltará aos trechos em costura e, logo, logo, de forma rigorosa, vai lhes dar o devido acabamento).

Seu trabalho em ritmo frenético e seu rigor me impressionam, André. Nada lhe escapa. Onde antes a criatura parecia oscilar, foi exatamente lá que, versão a versão, você foi magistralmente intervindo. Golpes de mestre. Você sempre sabe onde está indo e para quê. Imagina, então, André, com que alegria revi, nessa última versão do seu romance, boa parte dos artifícios que você antes havia utilizado na antepenúltima versão.

Agora sua obra, aos meus olhos, recuperou o ritmo, o humor e a ironia, o sarcasmo e a dor que a particularizavam. Mais especificamente: recuperou as múltiplas vozes que lhe eram imprescindíveis. Todas se articulando, se imiscuindo, participando de uma narrativa complexa, transcorrida num tempo-espaço multifacetado, caleidoscópico. Mas nunca é só isso, não?(Que fique entre nós um segredo: dentre todas as vozes que antes você havia "suprimido", confesso que a da Maria Paula era, aos meus ouvidos, a que havia deixado um vazio maior).

Outra alegria que experimentei lendo o seu romance, sabe qual foi, André? Ver literatura, música, Sampa e informática "interagindo" funcionalmente, tudo bem dentro da narrativa que você criou, inclusive naquilo que se refere à, digamos, dicção paulistana e à dicção internética. Ver um roteiro (?) de cinema, um curta-metragem, incluído no seu romance foi uma alegria especial, principalmente por se tratar de um romance seu.


É isso. Depois de passar, em média, dezesseis horas, às vezes dezoito, na frente do computador, trabalhando, fazendo o impossível pra entregar um livro decente, um bom romance, ler esse tipo de coisa é maravilhoso. Porque são as palavras de alguém que está acompanhando o meu trabalho, não de um palpiteiro virtual qualquer que desclassificou o meu livro meses antes de ele começar a ser escrito simplesmente porque meu destino era São Paulo e não a Cidade do Cabo ou Plutão ou porque o "prazo é curto demais". É mesmo. O prazo é curto mesmo. Mas eu sabia disso desde o começo. E, a essa altura, posso dizer: é irrelevante. Nesse caso específico, do livro que me propus escrever e que estou escrevendo nessas circunstâncias, eu digo e repito: NÃO FAZ A MENOR DIFERENÇA.

Ademais, obrigado, Tér. Agora, com licença, eu preciso dormir um pouco.